Quando assumi publicamente que não acreditava na existência
de nenhum ser superior e/ou criador (para você que acredita, leia-se Deus),
acabei criando alguns problemas. Perdi alguns amigos, desentendi-me com outros,
ouvi muita coisa feia e também disse muita coisa feia. É bem verdade que a
maratona de compartilhamentos de posts relacionados ao assunto lá no Facebook acabou ajudando muito
nisso, pois fui um pé no saco. Não me arrependo. Compreendo que tudo foi necessário e, por isso, hoje, quase sete anos depois, resolvi explicar,
com o máximo de detalhes, como tudo isso aconteceu; até porque, quando ouço
alguém me perguntar a razão de ser ateu, acho muito cansativo ter que explicar
tudo e, então, a partir de agora, vou poder dizer: contei tudo no meu blog, confere
lá.
Antes de começar a história, é necessário considerar que, até
o momento em que esse processo de desconstrução da minha fé se iniciou, eu nunca
havia flertado com o ateísmo antes. Arrisco dizer que eu era como a maioria da
população brasileira, que, por sua vez, possui o perfil de: ter fé no deus
cristão, seguir alguns de seus princípios, não seguir alguns outros princípios
mais restritivos, não frequentar igreja e rezar para pedir e agradecer.
Tudo começou a partir do momento em que resolvi me tornar
religioso. Sim, fui crente. Não tive nenhuma motivação específica. Não havia
acontecido nada abrupto na minha vida como, por exemplo, a morte de um ente
querido. Nada. Simplesmente fui. Tá bom, tá bom; fazia cerca de seis meses que
um longo relacionamento amoroso que vinha desde a adolescência (4,5
anos) havia terminado. Talvez isso tenha influenciado. Talvez. Não tenho como
ter certeza. Foram seis meses, ué. Bastante tempo.
O fato é que, num belo dia, acordei com o pensamento de ir à
igreja. Realmente do nada, tive uma grande vontade de ir à ela ao acordar. Como visitei a Igreja Cristã Maranata muitas vezes durante a minha
infância, graças ao obreiro Roberto que passava lá em casa todos os dias pra me
buscar, seria natural que eu voltasse para lá.
Quero abrir um parêntese nessa história para ela: a Igreja
Cristã Maranata (ICM a partir de agora). É óbvio que visitei outras igrejas ao
longo da vida até aquele momento, como algumas derivações da Igreja Batista, a
Congregação Cristã no Brasil, a Assembleia de Deus e a Igreja Católica. Porém,
se tratando de estrutura organizacional, da forma de ministração dos cultos, da
rede via satélite, dos templos, enfim, de tudo o que a compunha, digo que a ICM
é a melhor igreja cristã que existe. Inclusive recomendo. Meu problema não foi
com ela, foi com a fé.
Demorei pouquíssimo tempo para a conversão. Cerca de duas
semanas. Desde então, dentro da
capacidade de um ser humano de carne e osso, pratiquei uma devoção reta. Foi um
período difícil de muita negação de mim mesmo e submissão aos dogmas cristãos
praticados pela igreja que tinha escolhido. Só pra dar uma ideia dessa minha
retidão, eu passei incríveis cinco meses ininterruptos sem me masturbar. É,
creia! Cinco meses! Foi um período bem louco.
É claro que, apesar de ter negado o meu passado em nome da
fé, eu não tinha como esquecê-lo. Por isso eu não deixei de ter medo da
influência que alguns grandes líderes evangélicos tem sobre a vida das pessoas.
Se você verificar a lista com os pastores mais ricos do Brasil, é impossível
ler os nomes e não suspeitar deles em pensamento. Não era novidade ouvir falar
em fiéis que perderam seus patrimônios por envolvê-los em promessas. Não era
novidade ver pastores vendendo peças ungidas ou trazidas de lugares ditos sagrados a
preços exorbitantes, com a promessa de que esses objetos trariam bênçãos
diferenciadas na vida de quem comprasse. Então é claro que eu iria fazer o máximo
pra não vacilar, né? Ainda mais que, justo na época em que entrei na ICM, havia
acontecido um escândalo nela, com direito ao afastamento dos pastores que
administravam toda a igreja, lá na matriz no estado do Espírito Santo, sob
acusações de desvio de dinheiro dos dízimos, lavagem de dinheiro, falsificações
de documentos e ocultação de bens (busque no Google por “Operação Entre
Irmãos Igreja Maranata”). Por isso, eu considerava as doutrinas da igreja e as falas dos
pastores apenas como recomendações e buscava alimentar minha fé direto na
fonte: a Bíblia.
Repare que, até então, mesmo com todo esse cenário, minha fé
estava firme, afinal eu acreditava em Deus, e não nas pessoas; e minha fé era
tão forte que mesmo ao ler trechos controversos da Bíblia, eu simplesmente os
ignorava na espera de que algum dia Deus me mostrasse à resposta. Só pra você ter
uma ideia, uma vez, depois do culto (era quando eu ficava inspirado a ler
páginas e páginas da Bíblia antes de ir dormir), eu tive a seguinte dúvida: há
na Bíblia algum relato de uma declaração de amor pessoal de Deus para algum ser
humano? Eu sei que automaticamente vem o texto de João 3:16 na sua cabeça (e
Deus amou o mundo de tal maneira que enviou seu filho unigênito, para todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna). Mas não é disso que
eu falo. Perceba que há um relato de amor ao mundo, o que abrange toda a
criação, e não a humanidade especificamente; além de, principalmente, esse
texto estar em terceira pessoa. Eu procurava uma declaração de amor pessoal,
sabe? Uma declaração em que Deus chegasse para alguém, como uma mãe chega para
um filho e diz “eu te amo e quero o melhor para você”. Só que isso simplesmente não existe! E acredite: se
existisse seria amplamente utilizado na doutrina cristã.
Saber disso me deixou desesperado. Cheguei a visitar a casa
de outros irmãos da igreja já depois das 23 horas para conseguir algo que me
confortasse, mas voltei para casa frustrado. Porém ainda assim eu ainda não
questionava nem a Deus, nem a minha fé. Seguia firme.
Então a partir de que momento a minha fé começou a
enfraquecer a ponto de deixar de existir?
Essa parte da história começa quando, depois de mais ou menos nove meses de
vida cristã, reservei uma tarde para fazer visitas. Saí de casa num de
domingo para falar com pessoas que eu não via fazia certo tempo, mas que
moravam nas redondezas da minha casa. O objetivo era não incomodar, mas fazer
visitas rápidas, de no máximo vinte minutos e pedir, na pior das hipóteses, um
copo d’água. Arrisco dizer que esse foi o melhor dia da minha vida. A
felicidade transbordou! Quem é que não gosta de ser lembrado, não é mesmo? E
ver a satisfação no rosto das cinco pessoas que visitei nessa tarde me deixou
muito feliz.
Porém, depois da quinta visita, quando eu já tomava o
caminho de casa, esbarrei no divisor de águas da minha fé. Você certamente já
viu dois rapazes caminhando de roupa social (camisa branca e calça preta), gravata, às vezes uma mochila, e, uma plaquinha preta presa no bolso da camisa, com
umas letrinhas miúdas que não dá pra enxergar direito, exceto pelo nome “Jesus
Cristo” bem grande. Pois é, eram eles: os Mórmons.
Sem fazer ideia do que me esperava, fui até eles, afinal
nosso deus era o mesmo, né? Que mal haveria?
E eles foram muito gentis comigo. Batemos um papo rápido, bem legal. Na
despedida me deram um exemplar novinho do Livro de Mórmon e marcaram uma visita
na minha casa. Repleto de alegria depois desse dia espetacular, voltei para
casa e comecei a futucar o livro. Também, obviamente, fui fazer buscas na
internet.
Descobri que: 1) os Mórmons acreditam que depois dos
acontecimentos no Oriente, Jesus foi às Américas, onde dessa vez foi bem recebido, para completar a missão que veio
fazer na Terra; 2) muitas gerações depois disso, um americano chamado Joseph
Smith Jr, revoltado após a doutrina cristã ter sido diluída ao longo do tempo, foi num bosque rezar, e pasmem, Deus apareceu na
frente dele com igual chateação; 3) Deus mandou um anjo, de nome Morôni,
mostrar a Joseph a localização de placas de outro que
continham registro da visita de Jesus aos povos americanos e a doutrina que
restauraria o Cristianismo.
Esbarrar com isso foi impactante. Já tinha ouvido falar nos
Mórmons na minha infância, mas não fazia ideia de tamanha história. E claro que
veio a dúvida: será que isso tudo é verdade?
Na busca, encontrei um documentário no YouTube de nome “A
Bíblia vs O Livro de Mórmon” onde, resumidamente se afirma que, até o momento que escrevi este
texto, jamais foi encontrada nenhuma prova arqueológica de que os povos
Lamanitas e Nefitas, descritos pelo Livro de Mórmon, realmente existiram e que
por isso todo seu conteúdo é fantasioso. Pura literatura. Os caras americanizaram
Jesus.
Essas informações foram suficientes para invalidar qualquer
possibilidade de crença nisso, e claro que, quando os SUD (Santos dos Últimos
Dias - assim que os Mórmons se denominam) foram à minha casa houve uma
discussão quentíssima e eles nunca mais apareceram de novo.
Ok. Questão resolvida. Mas aí eu fiquei pensando: caramba,
dezenas de milhões de pessoas ao redor do globo terrestre seguem isso e assumem
como a verdade absoluta que rege suas vidas. Cara, essas pessoas estão se enganando. Mas espere aí. E se eu também estiver me enganando? Pronto. A semente
da dúvida foi plantada. A partir desse momento eu passei a olhar a Bíblia de
forma crítica, não com a mesma intensidade do Livro de Mórmon, é verdade, mas
ainda assim crítica, gerando o seguinte questionamento: a Bíblia é verdadeira
ou tão fantasiosa como o Livro de Mórmon?
Após algumas buscas sem sucesso pela resposta desta pergunta, usei o próprio documentário
“A Bíblia vs O Livro de Mórmon” para seguir minha investigação, já que ele mostra
a teoria de que a Bíblia é verdadeira por causa das evidências arqueológicas
existentes sobre os períodos históricos descritos em suas linhas. Mas repare que essas
evidências não apontam para a comprovação de nenhum fato bíblico, mas apenas
para os elementos ligados ao contexto cronológico das histórias contidas nela. Sabe
a novela Senhora do Destino? Na primeira fase o autor usou o contexto histórico
do Regime Militar para desenvolver o cenário da sua fantasia. É a mesma técnica
usada na Bíblia. Há provas da existência do regime, mas elas nada têm a ver com
a novela. Mas uma vez: se existisse algo que comprovasse a existência de algum
fato bíblico, com certeza isso seria utilizado na doutrina. Não tenha dúvida!
Depois disso foi fácil tomar como ficção o primeiro capítulo
do Gênesis e sua cobra falante, a jumenta que falou com Balaão, a abertura do
mar, Jonas e a baleia e etc. Sabia que, há dois mil e setecentos anos antes de
Jesus Cristo nascer, a história de que um herói construiria uma arca no meio do
deserto para salvar pessoas e animais de um dilúvio já existia? É... Quem
escreveu a história de Noé simplesmente plagiou a Epopeia de Gilgamesh.
Também temos casos claros de situações repugnantes como a
injustiça de Jeová com Caim, que trabalhou igualmente para levar uma oferenda
que foi rejeitada sem nenhum motivo (e você só pensa na inveja e no homicídio,
né) ou na aposta ridícula em que ele próprio chamou Satanás para fazer, dizimando os filhos de Jó e depois dando novos filhos como se os antigos fossem
substituíveis. Desculpe, mas eu não consigo enxergar bom caráter nesse tipo de
coisa e jamais pautaria minha vida de acordo com quem as faz.
Perceba que agora, pelo teor do último parágrafo, já existe um
ateu convicto falando, ou seja, analisando um pouco esta história, apesar de haver
um ponto crucial, a minha mudança de pensamento não aconteceu da noite para o
dia, mas sim durante todo um processo.
E não pense que eu não tentei voltar a ter fé. Muito pelo
contrário! Depois de constatar essas coisas eu fui desesperado para a igreja
com a intenção de achar algo que a restaurasse. Conversei com o mentor
que eu tinha na época e com alguns amigos mais próximos, mas mesmo assim não
teve jeito. Nada do que me disseram foi sólido o suficiente pra plantar uma
semente de fé em mim. Fui vencido pela razão.
Logo depois disso, eu parecia uma pessoa que descobre uma
música ou série nova e aí sai compartilhando em tudo o que é rede social, enchendo o saco dos amigos pedindo para que escutem ou assistam. Compartilhei
muitos posts de uma extinta uma página do Facebook chamada “Em nome do Troll” que
fazia piadas diárias com as religiões (principalmente com Jesus já que a
maioria dos brasileiros é de cristãos) o que gerou os desdobramentos que contei
na introdução deste texto.
Depois de fazer muito barulho num momento inicial e de ter
plantado a semente da dúvida em alguns corações (sim, briguei com muita gente,
mas também teve gente que me ouviu, mudou seus conceitos e me relatou), hoje
em dia tenho uma postura mais branda em relação a esse meu passado,
considerando que a nossa sociedade foi fundamentada em valores cristãos, e por
isso, desde que não afetem a nossa liberdade, eles podem ser
conservados sem nenhum problema.
Observação: essa liberdade inclui poder fazer críticas ou piadinhas com Jesus ou qualquer outro ícone religioso, viu!? Não existe nenhum pensamento, razão ou lei que impeça ninguém neste país de fazer isso.
Observação: essa liberdade inclui poder fazer críticas ou piadinhas com Jesus ou qualquer outro ícone religioso, viu!? Não existe nenhum pensamento, razão ou lei que impeça ninguém neste país de fazer isso.
Também gostaria de dizer que é bem difícil saber que você
não tem o criador do universo mexendo seus pauzinhos pra te ajudar; que fui
muito feliz quando estava na igreja e que até hoje morro de saudades quando vejo publicações nas redes sociais dos amigos de lá que não romperam comigo durante esse meu período barulhento. Garanto que, se conseguisse, eu ignoraria tudo o que constatei e voltaria
correndo para a ICM, mas, infelizmente, é mais forte que eu.
Obrigado por ter lido até aqui.
Espero que volte quando eu falar sobre outros assuntos.
Até a próxima! ;)
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