Como virei ateu #002


Quando assumi publicamente que não acreditava na existência de nenhum ser superior e/ou criador (para você que acredita, leia-se Deus), acabei criando alguns problemas. Perdi alguns amigos, desentendi-me com outros, ouvi muita coisa feia e também disse muita coisa feia. É bem verdade que a maratona de compartilhamentos de posts relacionados ao assunto lá no Facebook acabou ajudando muito nisso, pois fui um pé no saco. Não me arrependo. Compreendo que tudo foi necessário e, por isso, hoje, quase sete anos depois, resolvi explicar, com o máximo de detalhes, como tudo isso aconteceu; até porque, quando ouço alguém me perguntar a razão de ser ateu, acho muito cansativo ter que explicar tudo e, então, a partir de agora, vou poder dizer: contei tudo no meu blog, confere lá.

Antes de começar a história, é necessário considerar que, até o momento em que esse processo de desconstrução da minha fé se iniciou, eu nunca havia flertado com o ateísmo antes. Arrisco dizer que eu era como a maioria da população brasileira, que, por sua vez, possui o perfil de: ter fé no deus cristão, seguir alguns de seus princípios, não seguir alguns outros princípios mais restritivos, não frequentar igreja e rezar para pedir e agradecer.

Tudo começou a partir do momento em que resolvi me tornar religioso. Sim, fui crente. Não tive nenhuma motivação específica. Não havia acontecido nada abrupto na minha vida como, por exemplo, a morte de um ente querido. Nada. Simplesmente fui. Tá bom, tá bom; fazia cerca de seis meses que um longo relacionamento amoroso que vinha desde a adolescência (4,5 anos) havia terminado. Talvez isso tenha influenciado. Talvez. Não tenho como ter certeza. Foram seis meses, ué. Bastante tempo.

O fato é que, num belo dia, acordei com o pensamento de ir à igreja. Realmente do nada, tive uma grande vontade de ir à ela ao acordar. Como visitei a Igreja Cristã Maranata muitas vezes durante a minha infância, graças ao obreiro Roberto que passava lá em casa todos os dias pra me buscar, seria natural que eu voltasse para lá.

Quero abrir um parêntese nessa história para ela: a Igreja Cristã Maranata (ICM a partir de agora). É óbvio que visitei outras igrejas ao longo da vida até aquele momento, como algumas derivações da Igreja Batista, a Congregação Cristã no Brasil, a Assembleia de Deus e a Igreja Católica. Porém, se tratando de estrutura organizacional, da forma de ministração dos cultos, da rede via satélite, dos templos, enfim, de tudo o que a compunha, digo que a ICM é a melhor igreja cristã que existe. Inclusive recomendo. Meu problema não foi com ela, foi com a fé.



Demorei pouquíssimo tempo para a conversão. Cerca de duas semanas. Desde então, dentro da capacidade de um ser humano de carne e osso, pratiquei uma devoção reta. Foi um período difícil de muita negação de mim mesmo e submissão aos dogmas cristãos praticados pela igreja que tinha escolhido. Só pra dar uma ideia dessa minha retidão, eu passei incríveis cinco meses ininterruptos sem me masturbar. É, creia! Cinco meses! Foi um período bem louco.

É claro que, apesar de ter negado o meu passado em nome da fé, eu não tinha como esquecê-lo. Por isso eu não deixei de ter medo da influência que alguns grandes líderes evangélicos tem sobre a vida das pessoas. Se você verificar a lista com os pastores mais ricos do Brasil, é impossível ler os nomes e não suspeitar deles em pensamento. Não era novidade ouvir falar em fiéis que perderam seus patrimônios por envolvê-los em promessas. Não era novidade ver pastores vendendo peças ungidas ou trazidas de lugares ditos sagrados a preços exorbitantes, com a promessa de que esses objetos trariam bênçãos diferenciadas na vida de quem comprasse. Então é claro que eu iria fazer o máximo pra não vacilar, né? Ainda mais que, justo na época em que entrei na ICM, havia acontecido um escândalo nela, com direito ao afastamento dos pastores que administravam toda a igreja, lá na matriz no estado do Espírito Santo, sob acusações de desvio de dinheiro dos dízimos, lavagem de dinheiro, falsificações de documentos e ocultação de bens (busque no Google por “Operação Entre Irmãos Igreja Maranata”). Por isso, eu considerava as doutrinas da igreja e as falas dos pastores apenas como recomendações e buscava alimentar minha fé direto na fonte: a Bíblia.

Repare que, até então, mesmo com todo esse cenário, minha fé estava firme, afinal eu acreditava em Deus, e não nas pessoas; e minha fé era tão forte que mesmo ao ler trechos controversos da Bíblia, eu simplesmente os ignorava na espera de que algum dia Deus me mostrasse à resposta. Só pra você ter uma ideia, uma vez, depois do culto (era quando eu ficava inspirado a ler páginas e páginas da Bíblia antes de ir dormir), eu tive a seguinte dúvida: há na Bíblia algum relato de uma declaração de amor pessoal de Deus para algum ser humano? Eu sei que automaticamente vem o texto de João 3:16 na sua cabeça (e Deus amou o mundo de tal maneira que enviou seu filho unigênito, para todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna). Mas não é disso que eu falo. Perceba que há um relato de amor ao mundo, o que abrange toda a criação, e não a humanidade especificamente; além de, principalmente, esse texto estar em terceira pessoa. Eu procurava uma declaração de amor pessoal, sabe? Uma declaração em que Deus chegasse para alguém, como uma mãe chega para um filho e diz “eu te amo e quero o melhor para você”. Só que isso simplesmente não existe! E acredite: se existisse seria amplamente utilizado na doutrina cristã.

Saber disso me deixou desesperado. Cheguei a visitar a casa de outros irmãos da igreja já depois das 23 horas para conseguir algo que me confortasse, mas voltei para casa frustrado. Porém ainda assim eu ainda não questionava nem a Deus, nem a minha fé. Seguia firme.
Então a partir de que momento a minha fé começou a enfraquecer a ponto de deixar de existir?

Essa parte da história começa quando, depois de mais ou menos nove meses de vida cristã, reservei uma tarde para fazer visitas. Saí de casa num de domingo para falar com pessoas que eu não via fazia certo tempo, mas que moravam nas redondezas da minha casa. O objetivo era não incomodar, mas fazer visitas rápidas, de no máximo vinte minutos e pedir, na pior das hipóteses, um copo d’água. Arrisco dizer que esse foi o melhor dia da minha vida. A felicidade transbordou! Quem é que não gosta de ser lembrado, não é mesmo? E ver a satisfação no rosto das cinco pessoas que visitei nessa tarde me deixou muito feliz.


Porém, depois da quinta visita, quando eu já tomava o caminho de casa, esbarrei no divisor de águas da minha fé. Você certamente já viu dois rapazes caminhando de roupa social (camisa branca e calça preta), gravata, às vezes uma mochila, e, uma plaquinha preta presa no bolso da camisa, com umas letrinhas miúdas que não dá pra enxergar direito, exceto pelo nome “Jesus Cristo” bem grande. Pois é, eram eles: os Mórmons.



Sem fazer ideia do que me esperava, fui até eles, afinal nosso deus era o mesmo, né? Que mal haveria?  E eles foram muito gentis comigo. Batemos um papo rápido, bem legal. Na despedida me deram um exemplar novinho do Livro de Mórmon e marcaram uma visita na minha casa. Repleto de alegria depois desse dia espetacular, voltei para casa e comecei a futucar o livro. Também, obviamente, fui fazer buscas na internet.

Descobri que: 1) os Mórmons acreditam que depois dos acontecimentos no Oriente, Jesus foi às Américas, onde dessa vez foi bem recebido, para completar a missão que veio fazer na Terra; 2) muitas gerações depois disso, um americano chamado Joseph Smith Jr, revoltado após a doutrina cristã ter sido diluída ao longo do tempo, foi num bosque rezar, e pasmem, Deus apareceu na frente dele com igual chateação; 3) Deus mandou um anjo, de nome Morôni, mostrar a Joseph a localização de placas de outro que continham registro da visita de Jesus aos povos americanos e a doutrina que restauraria o Cristianismo.

Esbarrar com isso foi impactante. Já tinha ouvido falar nos Mórmons na minha infância, mas não fazia ideia de tamanha história. E claro que veio a dúvida: será que isso tudo é verdade?

Na busca, encontrei um documentário no YouTube de nome “A Bíblia vs O Livro de Mórmon” onde, resumidamente se afirma que, até o momento que escrevi este texto, jamais foi encontrada nenhuma prova arqueológica de que os povos Lamanitas e Nefitas, descritos pelo Livro de Mórmon, realmente existiram e que por isso todo seu conteúdo é fantasioso. Pura literatura. Os caras americanizaram Jesus.

Essas informações foram suficientes para invalidar qualquer possibilidade de crença nisso, e claro que, quando os SUD (Santos dos Últimos Dias - assim que os Mórmons se denominam) foram à minha casa houve uma discussão quentíssima e eles nunca mais apareceram de novo.

Ok. Questão resolvida. Mas aí eu fiquei pensando: caramba, dezenas de milhões de pessoas ao redor do globo terrestre seguem isso e assumem como a verdade absoluta que rege suas vidas. Cara, essas pessoas estão se enganando. Mas espere aí. E se eu também estiver me enganando? Pronto. A semente da dúvida foi plantada. A partir desse momento eu passei a olhar a Bíblia de forma crítica, não com a mesma intensidade do Livro de Mórmon, é verdade, mas ainda assim crítica, gerando o seguinte questionamento: a Bíblia é verdadeira ou tão fantasiosa como o Livro de Mórmon?

Após algumas buscas sem sucesso pela resposta desta pergunta, usei o próprio documentário “A Bíblia vs O Livro de Mórmon” para seguir minha investigação, já que ele mostra a teoria de que a Bíblia é verdadeira por causa das evidências arqueológicas existentes sobre os períodos históricos descritos em suas linhas. Mas repare que essas evidências não apontam para a comprovação de nenhum fato bíblico, mas apenas para os elementos ligados ao contexto cronológico das histórias contidas nela. Sabe a novela Senhora do Destino? Na primeira fase o autor usou o contexto histórico do Regime Militar para desenvolver o cenário da sua fantasia. É a mesma técnica usada na Bíblia. Há provas da existência do regime, mas elas nada têm a ver com a novela. Mas uma vez: se existisse algo que comprovasse a existência de algum fato bíblico, com certeza isso seria utilizado na doutrina. Não tenha dúvida!

Depois disso foi fácil tomar como ficção o primeiro capítulo do Gênesis e sua cobra falante, a jumenta que falou com Balaão, a abertura do mar, Jonas e a baleia e etc. Sabia que, há dois mil e setecentos anos antes de Jesus Cristo nascer, a história de que um herói construiria uma arca no meio do deserto para salvar pessoas e animais de um dilúvio já existia? É... Quem escreveu a história de Noé simplesmente plagiou a Epopeia de Gilgamesh.

Também temos casos claros de situações repugnantes como a injustiça de Jeová com Caim, que trabalhou igualmente para levar uma oferenda que foi rejeitada sem nenhum motivo (e você só pensa na inveja e no homicídio, né) ou na aposta ridícula em que ele próprio chamou Satanás para fazer, dizimando os filhos de Jó e depois dando novos filhos como se os antigos fossem substituíveis. Desculpe, mas eu não consigo enxergar bom caráter nesse tipo de coisa e jamais pautaria minha vida de acordo com quem as faz.


Perceba que agora, pelo teor do último parágrafo, já existe um ateu convicto falando, ou seja, analisando um pouco esta história, apesar de haver um ponto crucial, a minha mudança de pensamento não aconteceu da noite para o dia, mas sim durante todo um processo.

E não pense que eu não tentei voltar a ter fé. Muito pelo contrário! Depois de constatar essas coisas eu fui desesperado para a igreja com a intenção de achar algo que a restaurasse. Conversei com o mentor que eu tinha na época e com alguns amigos mais próximos, mas mesmo assim não teve jeito. Nada do que me disseram foi sólido o suficiente pra plantar uma semente de fé em mim. Fui vencido pela razão.

Logo depois disso, eu parecia uma pessoa que descobre uma música ou série nova e aí sai compartilhando em tudo o que é rede social, enchendo o saco dos amigos pedindo para que escutem ou assistam. Compartilhei muitos posts de uma extinta uma página do Facebook chamada “Em nome do Troll” que fazia piadas diárias com as religiões (principalmente com Jesus já que a maioria dos brasileiros é de cristãos) o que gerou os desdobramentos que contei na introdução deste texto.



Depois de fazer muito barulho num momento inicial e de ter plantado a semente da dúvida em alguns corações (sim, briguei com muita gente, mas também teve gente que me ouviu, mudou seus conceitos e me relatou), hoje em dia tenho uma postura mais branda em relação a esse meu passado, considerando que a nossa sociedade foi fundamentada em valores cristãos, e por isso, desde que não afetem a nossa liberdade, eles podem ser conservados sem nenhum problema.
Observação: essa liberdade inclui poder fazer críticas ou piadinhas com Jesus ou qualquer outro ícone religioso, viu!? Não existe nenhum pensamento, razão ou lei que impeça ninguém neste país de fazer isso.

Também gostaria de dizer que é bem difícil saber que você não tem o criador do universo mexendo seus pauzinhos pra te ajudar; que fui muito feliz quando estava na igreja e que até hoje morro de saudades quando vejo publicações nas redes sociais dos amigos de lá que não romperam comigo durante esse meu período barulhento. Garanto que, se conseguisse, eu ignoraria tudo o que constatei e voltaria correndo para a ICM, mas, infelizmente, é mais forte que eu.

Obrigado por ter lido até aqui.
Espero que volte quando eu falar sobre outros assuntos.
Até a próxima! ;)


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